Por fim, esclareça-se que as religiões de matriz africana não são sinônimos de Espiritismo, como muitas pessoas parecem querer fazer crer. Uma coisa é Espiritualismo, outra é Espiritismo. E uma coisa é Umbanda, Candomblé, Batuque, Cabula, Culto aos Egungun, Culto de Ifá, Encantaria, Omoloko (ou Omolocô), Quimbanda, Tambor-de-Mina, Terecô, Xambá e Xangô do Nordeste, todas crenças espiritualistas. Outra coisa é Espiritismo, que, conforme explicou o seu organizador e codificador, o francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, que usava o pseudônimo Allan Kardec, é um termo novo para uma coisa nova. Vejamos a explicação dele:
“Para se designarem coisas novas são precisos termos novos. Assim o exige a clareza da linguagem, para evitar a confusão inerente à variedade de sentidos das mesmas palavras. Os vocábulos espiritual, espiritualista, espiritualismo têm acepção bem definida. Dar-lhes outra, para aplicá-los à doutrina dos Espíritos, fora multiplicar as causas já numerosas de anfibologia. Com efeito, o espiritualismo é o oposto do materialismo. Quem quer que acredite haver em si alguma coisa mais do que matéria, é espiritualista. Não se segue daí, porém, que creia na existência dos Espíritos ou em suas comunicações com o mundo visível. Em vez das palavras espiritual, espiritualismo, empregamos, para indicar a crença a que vimos de referir-nos, os termos espírita e espiritismo, cuja forma lembra a origem e o sentido radical e que, por isso mesmo, apresentam a vantagem de ser perfeitamente inteligíveis, deixando ao vocábulo espiritualismo a acepção que lhe é própria. Diremos, pois, que a doutrina espírita ou o Espiritismo tem por princípio as relações do mundo material com os Espíritos ou seres do mundo invisível. Os adeptos do Espiritismo serão os espíritas, ou, se quiserem, os espiritistas.”
Na obra “O Livro dos Espíritos”, organizada por Allan Kardec, há algumas perguntas e respostas sobre “sacrifícios” que bem demonstram a diversidade entre o Espiritismo (que é uma doutrina filosófica cristã) e as religiões de matriz africana:
“SACRIFÍCIOS
669. Remonta à mais alta antiguidade o uso dos sacrifícios humanos. Como se explica que o homem tenha sido levado a crer que tais coisas pudessem agradar a Deus?
'Primeiramente, porque não compreendia Deus como sendo a fonte da bondade. Nos povos primitivos a matéria sobrepuja o espírito; eles se entregam aos instintos do animal selvagem. Por isso é que, em geral, são cruéis; é que neles o senso moral ainda não se acha desenvolvido. Em segundo lugar, é natural que os homens primitivos acreditassem ter uma criatura animada muito mais valor, aos olhos de Deus, do que um corpo material. Foi isto que os levou a imolarem, primeiro, animais e, mais tarde, homens. De conformidade com a falsa crença que possuíam, pensavam que o valor do sacrifício era proporcional à importância da vítima. Na vida material, como geralmente a praticais, se houverdes de oferecer a alguém um presente, escolhê-lo--eis sempre de tanto maior valor quanto mais afeto e consideração quiserdes testemunhar a esse alguém. Assim tinha que ser, com relação a Deus, entre homens ignorantes.'
a) — De modo que os sacrifícios de animais precederam os sacrifícios humanos?
“Sobre isso não pode haver a menor dúvida.”
b) — Então, de acordo com a explicação que vindes de dar, não foi de um sentimento de crueldade que se originaram os sacrifícios humanos?
'Não; originaram-se de uma idéia errônea quanto à maneira de agradar a Deus. Considerai o que se deu com Abraão. Com o correr dos tempos, os homens entraram a abusar dessas práticas, imolando seus inimigos comuns, até mesmo seus inimigos particulares. Deus, entretanto, nunca exigiu sacrifícios, nem de homens, nem, sequer, de animais. Não há como imaginar-se que se lhe possa prestar culto, mediante a destruição inútil de suas criaturas.'
670. Dar-se-á que alguma vez possam ter sido agradáveis a Deus os sacrifícios humanos praticados com piedosa intenção?
'Não, nunca. Deus, porém, julga pela intenção. Sendo ignorantes os homens, natural era que supusessem praticar ato louvável imolando seus semelhantes. Nesses casos, Deus atentava unicamente na idéia que presidia ao ato e não neste. À proporção que se foram melhorando, os homens tiveram que reconhecer o erro em que laboravam e que reprovar tais sacrifícios, com que não podiam conformar-se as idéias de Espíritos esclarecidos. Digo — esclarecidos, porque os Espíritos tinham então a envolvê-los o véu material; mas, por meio do livre-arbítrio, possível lhes era vislumbrar suas origens e fim, e muitos, por intuição, já compreendiam o mal que praticavam, se bem que nem por isso deixassem de praticá-lo, para satisfazer às suas paixões.'
(…)
672. A oferenda feita a Deus, de frutos da terra, tinha a seus olhos mais mérito do que o sacrifício dos animais?
'Já vos respondi, declarando que Deus julga segundo a intenção e que para ele pouca importância tinha o fato. Mais agradável evidentemente era a Deus que lhe oferecessem frutos da terra, em vez do sangue das vítimas. Como temos dito e sempre repetiremos, a prece proferida do fundo da alma é cem vezes mais agradável a Deus do que todas as oferendas que lhe possais fazer. Repito que a intenção é tudo, que o fato nada vale.'
673. Não seria um meio de tornar essas oferendas agradáveis a Deus consagrá-las a minorar os sofrimentos daqueles a quem falta o necessário e, neste caso, o sacrifício dos animais, praticado com fim útil, não se tornaria meritório, ao passo que era abusivo quando para nada servia, ou só aproveitava aos que de nada precisavam? Não haveria qualquer coisa de verdadeiramente piedoso em consagrar-se aos pobres as primícias dos bens que Deus nos concede na Terra?
'Deus abençoa sempre os que fazem o bem. O melhor meio de honrá-lo consiste em minorar os sofrimentos dos pobres e dos aflitos. Não quero dizer com isto que ele desaprove as cerimônias que praticais para lhe dirigirdes as vossas preces. Muito dinheiro, porém, aí se gasta que poderia ser empregado mais utilmente do que o é. Deus ama a simplicidade em tudo. O homem que se atém às exterioridades e não ao coração é um Espírito de vistas acanhadas. Dizei, em consciência, se Deus deve atender mais à forma do que ao fundo.”
No Espiritismo Cristão, aquele surgido da codificação organizada por Allan Kardec e difundido no Brasil pela Federação Espírita Brasileira, não se pratica nenhum ritual ou liturgia. Se estuda, conversa, ora e se procura o aperfeiçoamento moral buscando através dos ensinamentos de Jesus e dos espíritos evoluídos que disseminam as lições Dele. A fé, a prece, o amor e a caridade são as melhores oferendas que podemos fazer a Deus, para o Espiritismo. E a mudança e o progresso dependem do esforço de cada um e não de espíritos ou "santos". Cada um deve se educar, vigiar, manter sua fé, colocar-se em estado mental elevado através da prece e dos bons pensamentos, tentando construir o "Reino de Deus" dentro de si, com a prática do amor ao próximo e a caridade. Se cada um fizer a sua parte, logo o todo, a sociedade, será o "Reino de Deus" que esperamos, pois não haverá mais violência, desonestidade e conflitos entre os filhos de Deus. Façamos a nossa parte...
Finalizando, convém registrar que com nossas colocações não temos a intenção de ofender ou menosprezar as crenças ou religiões alheias, que respeitamos sinceramente como queremos que as nossas sejam respeitadas. Temos apenas o objetivo de analisar esta questão do sofrimento animal que divide juízos e trazer a nossa opinião, pretendendo contribuir para o debate e para o desenvolvimento das relações entre os seres, sugerindo a proteção, o respeito e os cuidados aos nossos irmãos da natureza, seres vivos como nós, filhos de Deus como nós.
Paz e bem!
Irmão em Cristo.
Muito bom o artigo! Coerente, bem redigido. Parabéns!
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