Histórico do Espiritismo
Por volta de 1848, a atenção foi chamada, nos Estados Unidos da América, sobre diversos fenômenos estranhos, consistentes em ruídos, pancadas e movimento de objetos sem causa conhecida. Esses fenômenos, freqüentemente, ocorriam espontaneamente, com uma intensidade e uma persistência singulares; mas notou-se também que eles se produziam mais particularmente sob influência de certas pessoas, que se designou sob o nome de médiuns, e que podiam, de alguma sorte, provocá-los à vontade, o que permite repetir as experiências. Serviu-se, sobretudo, para isso de mesas; não que esse objeto seja mais favorável do que um outro, mas unicamente porque é o móvel mais cômodo, e que se senta, mais facilmente e mais naturalmente, ao redor de uma mesa que ao redor de qualquer outro móvel. Obteve-se, dessa maneira, a rotação da mesa, depois movimentos em todos os sentidos, sobressaltos, tombamentos, erguimentos, pancadas com violência, etc. É o fenômeno que foi designado no princípio, sob o nome de mesas girantes ou dança das mesas.
Até aí o fenômeno podia perfeitamente se explicar por uma corrente elétrica ou magnética, ou pela ação de um fluido desconhecido, e essa foi mesmo a opinião que se formou a respeito. Mas não tardou a se reconhecer, nesses fenômenos, efeitos inteligentes; assim, o movimento obedecia à vontade; a mesa se dirigia à direita ou à esquerda para uma pessoa designada, e se dirigia ao comando, sobre um ou dois pés, batendo o número de pancadas pedidas, batia o compasso, etc. Desde então ficou evidente que a causa não era puramente física, e segundo esse axioma que: se todo efeito tem uma causa, todo o efeito inteligente deve ter uma causa inteligente, concluiu-se que a causa desse fenômeno deveria ser uma inteligência.
Qual era a natureza dessa inteligência? Aí estava a questão. O primeiro pensamento foi que isso poderia ser um reflexo da inteligência do médium ou dos assistentes, mas a experiência logo demonstrou-lhe a impossibilidade, porque obtinham-se coisas completamente fora do pensamento e dos conhecimentos das pessoas presentes, e mesmo em contradição com suas idéias, sua vontade e seu desejo; ele não podia, pois, pertencer senão a um ser invisível. O meio para disso se assegurar era muito simples: tratava-se de entrar em conversação, o que se fez por meio de um número de golpes convencionados significando sim ou não, ou designando as letras do alfabeto, e se teve, dessa maneira, respostas às mais diversas perguntas que se lhe dirigia. É o fenômeno que foi designado sob o nome de mesas falantes. Todos os seres que se comunicaram desse modo, interrogados sobre a sua natureza, declararam ser Espíritos e pertencerem a um mundo invisível. Tendo os mesmos efeitos se produzido num grande número de localidades, por intermédio de pessoas diferentes, e sendo, aliás, observado por homens muito sérios e muito esclarecidos, não era possível que se fosse o joguete de uma ilusão.
Da América, esse fenômeno passou para a França e ao resto da Europa, onde, durante alguns anos, as mesas girantes e falantes foram a moda e se tornaram o divertimento dos salões; depois, quando delas se usou bastante, foram deixadas de lado, para passar a uma outra distração. O fenômeno não tardou a se apresentar sob um novo aspecto que fê-lo sair do domínio da simples curiosidade. Os limites deste resumo não nos permitindo segui-lo em todas as suas fases, passamos, sem outra transição, ao que oferece de mais característico, ao que, sobretudo, fixou a atenção de pessoas sérias.
Dizemos preliminarmente, de passagem, que a realidade do fenômeno encontra numerosos contraditores; uns, sem levar em conta o desinteresse e a honorabilidade dos experimentadores, não viram nele senão um malabarismo, um hábil jogo de escamoteação. Aqueles que não admitem nada fora do mundo da matéria, que não crêem senão no mundo visível, que pensam que tudo morre com o corpo, os materialistas, em uma palavra: aqueles que se qualificam de espíritos fortes, rejeitaram a existência dos Espíritos invisíveis na classe de fábulas absurdas; taxaram de loucos aqueles que levavam a coisa a sério e os acabrunharam com sarcasmos e zombarias. Outros, não podendo negar os fatos, e sob o império de uma certa ordem de idéias, atribuíram esses fenômenos à influência exclusiva do diabo e procuraram, por esse meio, atemorizar os tímidos. Mas hoje o medo do diabo perdeu singularmente seu prestígio; tanto dele se falou, se o pintou de tantos modos, que se está familiarizado com essa idéia e muitos se disseram que era necessário aproveitar a ocasião para ver o que ele é realmente. Disso resultou que, à parte um pequeno número de mulheres tímidas, o anúncio da chegada do verdadeiro diabo tinha alguma coisa de picante para aqueles que não o viram senão em pintura e no teatro; foi, para muitas pessoas, um poderoso estimulante; de sorte que aqueles que quiseram, por esse meio, opor uma barreira às idéias novas, foram contra seu objetivo e tornaram-se, sem o querer, agentes propagadores tanto mais eficazes quanto gritavam mais forte. Os outros críticos não tiveram maior sucesso, porque, aos fatos constatados, aos raciocínios categóricos, não puderam opor senão denegações. Lede o que publicaram. Por toda parte encontrareis a prova da ignorância e da falta de observação séria dos fatos e em nenhuma parte uma demonstração peremptória de sua impossibilidade; toda sua argumentação assim se resume: "eu não creio, portanto, isso não existe; todos os que crêem são loucos; só nós temos o privilégio da razão e do bom-senso". O número de adeptos feitos pela crítica séria ou bufa é incalculável, porque por toda parte não se encontram senão opiniões pessoais, vazias de provas contrárias. Prossigamos nossa exposição.
As comunicações por pancadas eram lentas e incompletas; reconheceu-se que, adaptando-se um lápis a um objeto móvel: cesta, prancheta ou outro, sobre o qual colocavam-se os dedos, esse objeto se punha em movimento e traçava caracteres. Mais tarde reconheceu-se que esses objetos não eram senão acessórios, os quais se podia dispensar; a experiência demonstrou que o Espírito, agindo sobre um corpo inerte para dirigi-lo à vontade poderia agir, do mesmo modo, sobre o braço ou a mão a fim de conduzir o lápis. Teve-se, então, os médiuns escreventes, quer dizer, pessoas escrevendo de modo involuntário sob o impulso de Espíritos, dos quais se achavam assim os instrumentos e os intérpretes. Desde esse momento, as comunicações não tiveram mais limites e a troca de pensamentos pôde ser feita com tanta rapidez e desenvolvimento quanto entre os vivos. Era um vasto campo aberto à exploração, a descoberta de um mundo novo: o mundo dos invisíveis, como o microscópio descobrira o mundo dos infinitamente pequenos.
Que são esses Espíritos? Que papel desempenham no universo? Com qual objetivo se comunicaram aos mortais? Tais são as primeiras perguntas que se tratava de resolver. Soube-se logo, por eles mesmos, que não são seres à parte na criação, mas as próprias almas daqueles que viveram na Terra ou em outros mundos; que essas almas, depois de se despojarem de seu envoltório corporal, povoam e percorrem o espaço. Não mais foi permitido disso duvidar quando se reconheceu, entre eles, seus parentes e seus amigos, com os quais puderam se entreter; quando estes vieram dar a prova de sua existência, demonstrar que não há de morto neles senão o corpo, que sua alma ou Espírito vive sempre, que estão ali, perto de nós, vendo-nos e observando-nos como quando vivos, cercando com sua solicitude aqueles que amaram e dos quais a lembrança, para eles, é uma doce satisfação.
Faz-se geralmente dos Espíritos uma idéia completamente falsa; eles não são como muitos os figuram, seres abstratos, vagos e indefinidos, nem qualquer coisa como um clarão ou uma centelha; são, ao contrário, seres muito reais, tendo sua individualidade e uma forma determinada. Pode-se deles fazer uma idéia aproximada pela explicação seguinte:
Há no homem três coisas essenciais: 1º a alma ou Espírito, princípio inteligente em quem residem o pensamento, a vontade e o senso moral; 2º o corpo, envoltório material pesado e grosseiro, que coloca o Espírito em relação com o mundo exterior; 3º o perispírito, envoltório fluídico, leve, servindo de laço e de intermediário entre o Espírito e o corpo. Quando o envoltório exterior está usado e não pode mais funcionar, ele cai e o Espírito dele se despoja como o fruto de sua casca, a árvore de sua crosta: em uma palavra, como se tira uma velha roupa fora de seu uso; é o que se chama a morte.
A morte, portanto, não é outra coisa senão a destruição do grosseiro envoltório do Espírito: só o corpo morre, o Espírito não morre. Durante a vida o Espírito está, de alguma sorte, comprimido pelos laços da matéria ao qual está unido e que, freqüentemente, paralisa suas faculdades; a morte do corpo desembaraça-o de seus laços; dele se liberta e recobra sua liberdade, como a borboleta saindo de sua crisálida; mas não deixa senão o corpo material; conserva o perispírito, que constitui, para ele, uma espécie de corpo etéreo, vaporoso, imponderável para nós e de forma humana, que parece ser a forma tipo. Em seu estado normal, o perispírito é invisível, mas o Espírito pode fazê-lo sofrer certas modificações que o tornam momentaneamente acessível à visão e mesmo ao toque, como ocorre para o vapor condensado; é assim que podem, algumas vezes, mostrarem-se a nós nas aparições. É com a ajuda do perispírito que o Espírito age sobre a matéria inerte e produz os diversos fenômenos de ruídos, de movimentos, de escrita, etc. (as pancadas e os movimentos são, para os Espíritos, os meios de atestarem sua presença e chamarem sobre eles, a atenção, absolutamente como quando uma pessoa bate para advertir que há alguém). Há os que não se limitam a ruídos moderados, mas que vão até fazerem um alarido semelhante ao da louça que se quebra, de portas que se abrem e se fecham, ou de móveis que tombam.
Com a ajuda dos golpes e dos movimentos convencionais, eles puderam exprimir seus pensamentos, mas a escrita lhes oferece o meio completo, o mais rápido e o mais cômodo; também é aquele que eles preferem (1). Pela mesma razão que podem levar a formar caracteres, podem guiar a mão para fazer traçar desenhos, escrever música, executar um trecho num instrumento, em uma palavra, na falta de seu próprio corpo, que não têm mais, servem-se do médium para se manifestarem aos homens de maneira sensível.
Os Espíritos ainda podem se manifestar de várias maneiras, entre outras pela visão e pela audição. Certas pessoas, ditas médiuns audientes, têm a faculdade de ouvi-los e podem, assim, conversar com eles; outros os vêem: são os médiuns videntes. Os Espíritos que se manifestam à visão, geralmente, apresentam-se sob uma forma análoga à que tinham quando vivos, mais vaporosa; outras vezes, essa forma tem todas as aparências de um ser vivo, ao ponto de iludir completamente, e que, algumas vezes, foram tomados por pessoas em carne e osso, com as quais se pôde conversar e trocar apertos de mão, sem desconfiar que se relacionava com Espíritos, de outro modo senão pelo seu desaparecimento súbito.
A visão permanente e geral dos Espíritos é muito rara, mas as aparições individuais são bastante freqüentes, sobretudo no momento da morte; o Espírito liberto parece se apressar para ir rever seus parentes e amigos, como para adverti-los que acaba de deixar a Terra e dizer-lhes que vive sempre.
Que cada um reúna suas lembranças, e ver-se-á quantos fatos desse gênero, dos quais não se dava conta, ocorreram não somente à noite, durante o sono, mas em pleno dia, no estado de vigília mais completo. Outrora olhava-se esses fatos como sobrenaturais e maravilhosos, e se os atribuía à magia e à feitiçaria; hoje os incrédulos os colocam à conta da imaginação; mas desde que a ciência espírita deu-lhes a chave, sabe-se como se produzem e que não saem da ordem de fenômenos naturais.
Crê-se ainda que os Espíritos, pelo único fato de serem Espíritos, devem ter a soberana ciência e a soberana sabedoria: foi um erro que a experiência não tardou a demonstrar. Entre as comunicações dadas pelos Espíritos, há as que são sublimes de profundeza, de eloqüência, de sabedoria, de moral, e não respiram senão a bondade e a benevolência; mas, ao lado disso, há as muito vulgares, levianas, triviais, grosseiras mesmo, e pelas quais o Espírito revela os instintos mais perversos. É, pois, evidente que elas não podem emanar da mesma fonte e que, se há bons Espíritos, os há também maus. Os Espíritos, não sendo outra coisa que a alma dos homens, não podem naturalmente tornarem-se perfeitos deixando seu corpo; até que hajam progredido, conservam as imperfeições da vida corpórea; por isso, se os vê em todos os graus de bondade e de maldade, de saber e de ignorância.
Os Espíritos se comunicam, geralmente, com prazer e para eles é uma satisfação ver que não foram esquecidos; descrevem voluntariamente suas impressões em deixando a Terra, sua nova situação, a natureza de suas alegrias e de seus sofrimentos no mundo dos Espíritos onde se encontram; uns são muito felizes, outros infelizes, alguns mesmo suportam tormentos horríveis, segundo a maneira pela qual viveram e o emprego bom ou mau, útil ou inútil que fizeram da vida. Em os observando em todas as fases de sua nova existência, segundo a posição que ocuparam na Terra, seu gênero de morte, seu caráter e seus hábitos como homens, chega-se a um conhecimento senão completo, pelo menos bastante preciso, do mundo invisível, para se dar conta do nosso estado futuro e pressentir a sorte feliz ou infeliz que ali nos espera.
As instruções dadas pelos Espíritos de uma ordem elevada, sobre todos os assuntos que interessam à Humanidade, as respostas que deram às perguntas que lhes foram propostas, tendo sido recolhidas e coordenadas com cuidado, constituem toda uma ciência, toda uma doutrina moral e filosófica sob o nome de Espiritismo. O Espiritismo é, pois, a doutrina fundada sobre a existência, as manifestações e o ensinamento dos Espíritos. Essa doutrina se acha exposta, de maneira completa, em O Livro dos Espíritos para a parte filosófica, em O Livro dos Médiuns para a parte prática e experimental, e em O Evangelho Segundo o Espiritismo para a parte moral. Pode-se julgar, pela análise que damos adiante dessas obras, da variedade, da extensão e da importância das matérias que elas abarcam.
Assim como se viu, o Espiritismo teve seu ponto de partida no fenômeno vulgar das mesas girantes; mas como esses fatos falam mais aos olhos que à inteligência, que despertam mais curiosidade que sentimento, a curiosidade satisfeita, se tem tanto menos interesse neles quanto não se os compreenda. Não ocorreu o mesmo quando a teoria veio explicar-lhes a causa; quando, sobretudo, viu-se que dessas mesas girantes, com as quais se divertiu por um instante, saiu toda uma doutrina moral falando à alma, dissipando as angústias da dúvida, satisfazendo a todas as aspirações deixadas no vago por um ensinamento incompleto sobre o futuro da Humanidade, as pessoas sérias acolheram a nova doutrina como um benefício e, desde então, longe de declinar, ela cresce com uma rapidez incrível; no espaço de alguns anos, ela reuniu, em todos os países do mundo e, sobretudo, entre as pessoas esclarecidas, inumeráveis partidários que aumentam todos os dias numa proporção extraordinária, de tal sorte que, hoje, pode-se dizer que o Espiritismo conquistou direito de cidadania; e está assentado sobre bases que desafiam os esforços de seus adversários mais ou menos interessados em combatê-lo; a prova disso é que os ataques e críticas não afrouxaram sua marcha um só instante: este é um fato adquirido pela experiência e do qual os opositores jamais puderam dar razão; os espíritas dizem, muito simplesmente, que se ele se propaga, apesar da crítica, é que se o acha bom e que se prefere seu raciocínio ao dos contraditores.
O Espiritismo, todavia, não é uma descoberta moderna; os fatos e os princípios sobre os quais repousam, perdem-se na noite dos tempos, porque se lhes encontram os traços nas crenças de todos os povos, em todas as religiões, na maioria dos escritos sagrados e profanos; somente os fatos, incompletamente observados, freqüentemente foram interpretados segundo as idéias supersticiosas da ignorância, e não lhes foram deduzidas todas as conseqüências.
Com efeito, o Espiritismo está fundado sobre a existência de Espíritos, mas os Espíritos, não sendo outros que as almas dos homens, desde que há homens há Espíritos; o Espiritismo não os descobriu, nem os inventou. Se as almas ou Espíritos podem se manifestar aos vivos, é porque isso está na Natureza e, desde então, deveram fazê-lo de todos os tempos; também de todos os tempos e por toda parte encontram-se as provas dessas manifestações, que são muitas, sobretudo nos relatos bíblicos.
O que é moderno é a explicação lógica dos fatos, o conhecimento mais completo da natureza dos Espíritos, de seu papel e de seu modo de ação, a revelação de nosso estado futuro, enfim sua constituição de corpo de ciência e de doutrina e suas diversas aplicações. Os Antigos conheciam o princípio, os Modernos conhecem os detalhes. Na antigüidade, o estudo desses fenômenos era o privilégio de certas castas, que não os revelavam senão aos iniciados nos seus mistérios; na idade média, aqueles que deles se ocupavam ostensivamente eram olhados como feiticeiros e queimados; mas hoje não há mistérios para ninguém, não se queima mais ninguém; tudo se passa à luz do dia e todo o mundo está em condições de se esclarecer e de praticar, porque os médiuns se encontram por toda parte.
A própria doutrina que os Espíritos ensinam hoje nada tem de nova; se a encontra, por fragmentos, na maioria dos filósofos da Índia, do Egito e da Grécia, e toda inteira no ensinamento do Cristo. Que vem, pois, fazer o Espiritismo? Ele vem confirmar por novos testemunhos, demonstrar por fatos, verdades desconhecidas ou mal compreendidas, restabelecer, em seu verdadeiro sentido, aquelas que foram mal interpretadas.
O Espiritismo nada ensina de novo, é verdade; mas é nada provar, de maneira patente, irrecusável, a existência da alma, sua sobrevivência ao corpo, sua individualidade depois da morte, sua imortalidade, as penas e as recompensas futuras? Quantas pessoas crêem nessas coisas, mas nela crêem com vago preconceito de incerteza e se dizem eu seu foro íntimo: "Se, todavia, isso não o for!" Quantos foram conduzidos à incredulidade porque se lhes apresentou o futuro sob um aspecto que sua razão não podia admitir! Não é, pois, nada para o crente vacilante poder dizer-se: "Agora estou seguro!", que o cego reveja a luz! Pelos fatos e pela sua lógica, o Espiritismo vem dissipar a ansiedade da dúvida e conduzir à fé aqueles que dela se afastaram; em nos revelando a existência do mundo invisível que nos cerca e no meio do qual vivemos sem disso nos dar conta, faz-nos conhecer pelo exemplo daqueles que viveram, as condições de nossa felicidade ou de nossa infelicidade futuras; explica-nos a causa de nossos sofri mentos neste mundo e o meio de abrandá-los. Sua propagação terá por efeito inevitável a destruição das doutrinas materialistas que não podem resistir à evidência. O homem, convencido da grandeza e da importância de sua existência futura, que é eterna, compara-a à incerteza da vida terrestre, que é tão curta, e se eleva, pelo pensamento, acima das mesquinhas considerações humanas; conhecendo a causa e o objetivo de suas misérias, suporta-as com paciência e resignação, porque sabe que elas são um meio para chegar a um estado melhor. O exemplo daqueles que vêm de além-túmulo descrever suas alegrias e suas dores, provando a realidade da vida futura, ao mesmo tempo, prova que a justiça de Deus não deixa nenhum vício sem punição, nem nenhuma virtude sem recompensa. Acrescentemos, enfim, as comunicações com os seres queridos, que já partiram, que proporcionam uma doce consolação, provando não somente que eles existem, mas que se está menos separado do que se estivessem vivos e num país estrangeiro.
Em resumo, o Espiritismo abranda a amargura dos desgostos da vida; acalma os desesperos e as agitações da alma, dissipa as incertezas ou os terrores do futuro, detém o pensamento de abreviar a vida por suicídio; por isso mesmo, torna felizes aqueles que nele penetram e aí está o grande segredo de sua rápida propagação.
Do ponto de vista religioso, o Espiritismo tem por base as verdades fundamentais de todas as religiões: Deus, a alma, a imortalidade, as penas e as recompensas futuras; mas ele é independente de todo culto particular. Seu objetivo é provar, àqueles que negam ou que duvidam, que a alma existe, que ela sobrevive ao corpo; que ela suporta, depois da morte, as conseqüências do bem e do mal que fez durante a vida corpórea; ora, isto é de todas as religiões.
Como crença nos Espíritos, é igualmente de todas as religiões, do mesmo modo que é de todos os povos, uma vez que, por toda parte que haja homens, há almas ou Espíritos, que as manifestações são de todos os tempos, e que o relato se encontra em todas as religiões sem exceções. Pode-se, pois, ser católico, grego ou romano, protestante, judeu ou muçulmano, e crer nas manifestações dos Espíritos, e, por conseqüência, ser Espírita; a prova é que o Espiritismo tem adeptos em todas as seitas.
Como moral, ele é essencialmente cristão, porque a que ele ensina não é senão o desenvolvimento e a aplicação da do Cristo, a mais pura de todas e cuja superioridade não é contestada por ninguém, prova evidente de que ela está na lei de Deus; ora, a moral é para o uso de todo o mundo.
O Espiritismo, sendo independente de toda forma de culto, não prescreve nenhum deles e não se ocupa de dogmas particulares, não é uma religião especial, porque não tem nem seus sacerdotes e nem seus templos. Àqueles que lhe perguntam se fazem bem seguir tal ou tal prática, ele responde: Se credes vossa consciência induzida a fazê-lo, fazei-o: Deus tem sempre em conta a intenção. Em uma palavra, ele não se impõe a ninguém; não se dirige àqueles que têm a fé, e a quem esta fé basta, mas à numerosa categoria dos incertos e dos incrédulos; ele não os arrebata da Igreja, uma vez que dela estão separados moralmente no todo ou em parte: lhes é necessário fazer três quartas partes do caminho para nela entrarem; cabe a ela fazer o resto.
O Espiritismo combate, é verdade, certas crenças tais como a eternidade das penas, o fogo material do inferno, a personalidade do diabo, etc; mas não é certo que, essas crenças, impostas como absolutas, em todos os tempos fizeram incrédulos e o fazem todos os dias? Se o Espiritismo, dando a esses dogmas e a alguns outros uma interpretação racional, conduz à fé aqueles que dela desertaram, não presta serviço à religião? Também um venerável eclesiástico dizia a esse respeito: "O Espiritismo faz crer em alguma coisa; ora, é melhor crer em alguma coisa que nada crer de tudo."
Os Espíritos, não sendo outros que as almas, não se pode negar os Espíritos sem negar a alma. Admitindo-se as almas, ou os Espíritos, a questão, reduzida à sua mais simples expressão, é esta: As almas daqueles que morreram podem se comunicar com os vivos? O Espiritismo prova a afirmativa por fatos materiais; que prova se pode dar de que isso não seja possível? Se isso for, todas as negações do mundo não impedirão que isso seja, porque não é nem um sistema, nem uma teoria, mas uma lei da Natureza; ora, contra as leis da Natureza, a vontade do homem é impotente; é necessário, por bem ou por mal, aceitar-lhe as conseqüências e a elas conformar suas crenças e seus hábitos.
(1) Ocorre o mesmo para a palavra
O Espiritismo em sua mais simples expressão, Allan Kardec
Por volta de 1848, a atenção foi chamada, nos Estados Unidos da América, sobre diversos fenômenos estranhos, consistentes em ruídos, pancadas e movimento de objetos sem causa conhecida. Esses fenômenos, freqüentemente, ocorriam espontaneamente, com uma intensidade e uma persistência singulares; mas notou-se também que eles se produziam mais particularmente sob influência de certas pessoas, que se designou sob o nome de médiuns, e que podiam, de alguma sorte, provocá-los à vontade, o que permite repetir as experiências. Serviu-se, sobretudo, para isso de mesas; não que esse objeto seja mais favorável do que um outro, mas unicamente porque é o móvel mais cômodo, e que se senta, mais facilmente e mais naturalmente, ao redor de uma mesa que ao redor de qualquer outro móvel. Obteve-se, dessa maneira, a rotação da mesa, depois movimentos em todos os sentidos, sobressaltos, tombamentos, erguimentos, pancadas com violência, etc. É o fenômeno que foi designado no princípio, sob o nome de mesas girantes ou dança das mesas.
Até aí o fenômeno podia perfeitamente se explicar por uma corrente elétrica ou magnética, ou pela ação de um fluido desconhecido, e essa foi mesmo a opinião que se formou a respeito. Mas não tardou a se reconhecer, nesses fenômenos, efeitos inteligentes; assim, o movimento obedecia à vontade; a mesa se dirigia à direita ou à esquerda para uma pessoa designada, e se dirigia ao comando, sobre um ou dois pés, batendo o número de pancadas pedidas, batia o compasso, etc. Desde então ficou evidente que a causa não era puramente física, e segundo esse axioma que: se todo efeito tem uma causa, todo o efeito inteligente deve ter uma causa inteligente, concluiu-se que a causa desse fenômeno deveria ser uma inteligência.
Qual era a natureza dessa inteligência? Aí estava a questão. O primeiro pensamento foi que isso poderia ser um reflexo da inteligência do médium ou dos assistentes, mas a experiência logo demonstrou-lhe a impossibilidade, porque obtinham-se coisas completamente fora do pensamento e dos conhecimentos das pessoas presentes, e mesmo em contradição com suas idéias, sua vontade e seu desejo; ele não podia, pois, pertencer senão a um ser invisível. O meio para disso se assegurar era muito simples: tratava-se de entrar em conversação, o que se fez por meio de um número de golpes convencionados significando sim ou não, ou designando as letras do alfabeto, e se teve, dessa maneira, respostas às mais diversas perguntas que se lhe dirigia. É o fenômeno que foi designado sob o nome de mesas falantes. Todos os seres que se comunicaram desse modo, interrogados sobre a sua natureza, declararam ser Espíritos e pertencerem a um mundo invisível. Tendo os mesmos efeitos se produzido num grande número de localidades, por intermédio de pessoas diferentes, e sendo, aliás, observado por homens muito sérios e muito esclarecidos, não era possível que se fosse o joguete de uma ilusão.
Da América, esse fenômeno passou para a França e ao resto da Europa, onde, durante alguns anos, as mesas girantes e falantes foram a moda e se tornaram o divertimento dos salões; depois, quando delas se usou bastante, foram deixadas de lado, para passar a uma outra distração. O fenômeno não tardou a se apresentar sob um novo aspecto que fê-lo sair do domínio da simples curiosidade. Os limites deste resumo não nos permitindo segui-lo em todas as suas fases, passamos, sem outra transição, ao que oferece de mais característico, ao que, sobretudo, fixou a atenção de pessoas sérias.
Dizemos preliminarmente, de passagem, que a realidade do fenômeno encontra numerosos contraditores; uns, sem levar em conta o desinteresse e a honorabilidade dos experimentadores, não viram nele senão um malabarismo, um hábil jogo de escamoteação. Aqueles que não admitem nada fora do mundo da matéria, que não crêem senão no mundo visível, que pensam que tudo morre com o corpo, os materialistas, em uma palavra: aqueles que se qualificam de espíritos fortes, rejeitaram a existência dos Espíritos invisíveis na classe de fábulas absurdas; taxaram de loucos aqueles que levavam a coisa a sério e os acabrunharam com sarcasmos e zombarias. Outros, não podendo negar os fatos, e sob o império de uma certa ordem de idéias, atribuíram esses fenômenos à influência exclusiva do diabo e procuraram, por esse meio, atemorizar os tímidos. Mas hoje o medo do diabo perdeu singularmente seu prestígio; tanto dele se falou, se o pintou de tantos modos, que se está familiarizado com essa idéia e muitos se disseram que era necessário aproveitar a ocasião para ver o que ele é realmente. Disso resultou que, à parte um pequeno número de mulheres tímidas, o anúncio da chegada do verdadeiro diabo tinha alguma coisa de picante para aqueles que não o viram senão em pintura e no teatro; foi, para muitas pessoas, um poderoso estimulante; de sorte que aqueles que quiseram, por esse meio, opor uma barreira às idéias novas, foram contra seu objetivo e tornaram-se, sem o querer, agentes propagadores tanto mais eficazes quanto gritavam mais forte. Os outros críticos não tiveram maior sucesso, porque, aos fatos constatados, aos raciocínios categóricos, não puderam opor senão denegações. Lede o que publicaram. Por toda parte encontrareis a prova da ignorância e da falta de observação séria dos fatos e em nenhuma parte uma demonstração peremptória de sua impossibilidade; toda sua argumentação assim se resume: "eu não creio, portanto, isso não existe; todos os que crêem são loucos; só nós temos o privilégio da razão e do bom-senso". O número de adeptos feitos pela crítica séria ou bufa é incalculável, porque por toda parte não se encontram senão opiniões pessoais, vazias de provas contrárias. Prossigamos nossa exposição.
As comunicações por pancadas eram lentas e incompletas; reconheceu-se que, adaptando-se um lápis a um objeto móvel: cesta, prancheta ou outro, sobre o qual colocavam-se os dedos, esse objeto se punha em movimento e traçava caracteres. Mais tarde reconheceu-se que esses objetos não eram senão acessórios, os quais se podia dispensar; a experiência demonstrou que o Espírito, agindo sobre um corpo inerte para dirigi-lo à vontade poderia agir, do mesmo modo, sobre o braço ou a mão a fim de conduzir o lápis. Teve-se, então, os médiuns escreventes, quer dizer, pessoas escrevendo de modo involuntário sob o impulso de Espíritos, dos quais se achavam assim os instrumentos e os intérpretes. Desde esse momento, as comunicações não tiveram mais limites e a troca de pensamentos pôde ser feita com tanta rapidez e desenvolvimento quanto entre os vivos. Era um vasto campo aberto à exploração, a descoberta de um mundo novo: o mundo dos invisíveis, como o microscópio descobrira o mundo dos infinitamente pequenos.
Que são esses Espíritos? Que papel desempenham no universo? Com qual objetivo se comunicaram aos mortais? Tais são as primeiras perguntas que se tratava de resolver. Soube-se logo, por eles mesmos, que não são seres à parte na criação, mas as próprias almas daqueles que viveram na Terra ou em outros mundos; que essas almas, depois de se despojarem de seu envoltório corporal, povoam e percorrem o espaço. Não mais foi permitido disso duvidar quando se reconheceu, entre eles, seus parentes e seus amigos, com os quais puderam se entreter; quando estes vieram dar a prova de sua existência, demonstrar que não há de morto neles senão o corpo, que sua alma ou Espírito vive sempre, que estão ali, perto de nós, vendo-nos e observando-nos como quando vivos, cercando com sua solicitude aqueles que amaram e dos quais a lembrança, para eles, é uma doce satisfação.
Faz-se geralmente dos Espíritos uma idéia completamente falsa; eles não são como muitos os figuram, seres abstratos, vagos e indefinidos, nem qualquer coisa como um clarão ou uma centelha; são, ao contrário, seres muito reais, tendo sua individualidade e uma forma determinada. Pode-se deles fazer uma idéia aproximada pela explicação seguinte:
Há no homem três coisas essenciais: 1º a alma ou Espírito, princípio inteligente em quem residem o pensamento, a vontade e o senso moral; 2º o corpo, envoltório material pesado e grosseiro, que coloca o Espírito em relação com o mundo exterior; 3º o perispírito, envoltório fluídico, leve, servindo de laço e de intermediário entre o Espírito e o corpo. Quando o envoltório exterior está usado e não pode mais funcionar, ele cai e o Espírito dele se despoja como o fruto de sua casca, a árvore de sua crosta: em uma palavra, como se tira uma velha roupa fora de seu uso; é o que se chama a morte.
A morte, portanto, não é outra coisa senão a destruição do grosseiro envoltório do Espírito: só o corpo morre, o Espírito não morre. Durante a vida o Espírito está, de alguma sorte, comprimido pelos laços da matéria ao qual está unido e que, freqüentemente, paralisa suas faculdades; a morte do corpo desembaraça-o de seus laços; dele se liberta e recobra sua liberdade, como a borboleta saindo de sua crisálida; mas não deixa senão o corpo material; conserva o perispírito, que constitui, para ele, uma espécie de corpo etéreo, vaporoso, imponderável para nós e de forma humana, que parece ser a forma tipo. Em seu estado normal, o perispírito é invisível, mas o Espírito pode fazê-lo sofrer certas modificações que o tornam momentaneamente acessível à visão e mesmo ao toque, como ocorre para o vapor condensado; é assim que podem, algumas vezes, mostrarem-se a nós nas aparições. É com a ajuda do perispírito que o Espírito age sobre a matéria inerte e produz os diversos fenômenos de ruídos, de movimentos, de escrita, etc. (as pancadas e os movimentos são, para os Espíritos, os meios de atestarem sua presença e chamarem sobre eles, a atenção, absolutamente como quando uma pessoa bate para advertir que há alguém). Há os que não se limitam a ruídos moderados, mas que vão até fazerem um alarido semelhante ao da louça que se quebra, de portas que se abrem e se fecham, ou de móveis que tombam.
Com a ajuda dos golpes e dos movimentos convencionais, eles puderam exprimir seus pensamentos, mas a escrita lhes oferece o meio completo, o mais rápido e o mais cômodo; também é aquele que eles preferem (1). Pela mesma razão que podem levar a formar caracteres, podem guiar a mão para fazer traçar desenhos, escrever música, executar um trecho num instrumento, em uma palavra, na falta de seu próprio corpo, que não têm mais, servem-se do médium para se manifestarem aos homens de maneira sensível.
Os Espíritos ainda podem se manifestar de várias maneiras, entre outras pela visão e pela audição. Certas pessoas, ditas médiuns audientes, têm a faculdade de ouvi-los e podem, assim, conversar com eles; outros os vêem: são os médiuns videntes. Os Espíritos que se manifestam à visão, geralmente, apresentam-se sob uma forma análoga à que tinham quando vivos, mais vaporosa; outras vezes, essa forma tem todas as aparências de um ser vivo, ao ponto de iludir completamente, e que, algumas vezes, foram tomados por pessoas em carne e osso, com as quais se pôde conversar e trocar apertos de mão, sem desconfiar que se relacionava com Espíritos, de outro modo senão pelo seu desaparecimento súbito.
A visão permanente e geral dos Espíritos é muito rara, mas as aparições individuais são bastante freqüentes, sobretudo no momento da morte; o Espírito liberto parece se apressar para ir rever seus parentes e amigos, como para adverti-los que acaba de deixar a Terra e dizer-lhes que vive sempre.
Que cada um reúna suas lembranças, e ver-se-á quantos fatos desse gênero, dos quais não se dava conta, ocorreram não somente à noite, durante o sono, mas em pleno dia, no estado de vigília mais completo. Outrora olhava-se esses fatos como sobrenaturais e maravilhosos, e se os atribuía à magia e à feitiçaria; hoje os incrédulos os colocam à conta da imaginação; mas desde que a ciência espírita deu-lhes a chave, sabe-se como se produzem e que não saem da ordem de fenômenos naturais.
Crê-se ainda que os Espíritos, pelo único fato de serem Espíritos, devem ter a soberana ciência e a soberana sabedoria: foi um erro que a experiência não tardou a demonstrar. Entre as comunicações dadas pelos Espíritos, há as que são sublimes de profundeza, de eloqüência, de sabedoria, de moral, e não respiram senão a bondade e a benevolência; mas, ao lado disso, há as muito vulgares, levianas, triviais, grosseiras mesmo, e pelas quais o Espírito revela os instintos mais perversos. É, pois, evidente que elas não podem emanar da mesma fonte e que, se há bons Espíritos, os há também maus. Os Espíritos, não sendo outra coisa que a alma dos homens, não podem naturalmente tornarem-se perfeitos deixando seu corpo; até que hajam progredido, conservam as imperfeições da vida corpórea; por isso, se os vê em todos os graus de bondade e de maldade, de saber e de ignorância.
Os Espíritos se comunicam, geralmente, com prazer e para eles é uma satisfação ver que não foram esquecidos; descrevem voluntariamente suas impressões em deixando a Terra, sua nova situação, a natureza de suas alegrias e de seus sofrimentos no mundo dos Espíritos onde se encontram; uns são muito felizes, outros infelizes, alguns mesmo suportam tormentos horríveis, segundo a maneira pela qual viveram e o emprego bom ou mau, útil ou inútil que fizeram da vida. Em os observando em todas as fases de sua nova existência, segundo a posição que ocuparam na Terra, seu gênero de morte, seu caráter e seus hábitos como homens, chega-se a um conhecimento senão completo, pelo menos bastante preciso, do mundo invisível, para se dar conta do nosso estado futuro e pressentir a sorte feliz ou infeliz que ali nos espera.
As instruções dadas pelos Espíritos de uma ordem elevada, sobre todos os assuntos que interessam à Humanidade, as respostas que deram às perguntas que lhes foram propostas, tendo sido recolhidas e coordenadas com cuidado, constituem toda uma ciência, toda uma doutrina moral e filosófica sob o nome de Espiritismo. O Espiritismo é, pois, a doutrina fundada sobre a existência, as manifestações e o ensinamento dos Espíritos. Essa doutrina se acha exposta, de maneira completa, em O Livro dos Espíritos para a parte filosófica, em O Livro dos Médiuns para a parte prática e experimental, e em O Evangelho Segundo o Espiritismo para a parte moral. Pode-se julgar, pela análise que damos adiante dessas obras, da variedade, da extensão e da importância das matérias que elas abarcam.
Assim como se viu, o Espiritismo teve seu ponto de partida no fenômeno vulgar das mesas girantes; mas como esses fatos falam mais aos olhos que à inteligência, que despertam mais curiosidade que sentimento, a curiosidade satisfeita, se tem tanto menos interesse neles quanto não se os compreenda. Não ocorreu o mesmo quando a teoria veio explicar-lhes a causa; quando, sobretudo, viu-se que dessas mesas girantes, com as quais se divertiu por um instante, saiu toda uma doutrina moral falando à alma, dissipando as angústias da dúvida, satisfazendo a todas as aspirações deixadas no vago por um ensinamento incompleto sobre o futuro da Humanidade, as pessoas sérias acolheram a nova doutrina como um benefício e, desde então, longe de declinar, ela cresce com uma rapidez incrível; no espaço de alguns anos, ela reuniu, em todos os países do mundo e, sobretudo, entre as pessoas esclarecidas, inumeráveis partidários que aumentam todos os dias numa proporção extraordinária, de tal sorte que, hoje, pode-se dizer que o Espiritismo conquistou direito de cidadania; e está assentado sobre bases que desafiam os esforços de seus adversários mais ou menos interessados em combatê-lo; a prova disso é que os ataques e críticas não afrouxaram sua marcha um só instante: este é um fato adquirido pela experiência e do qual os opositores jamais puderam dar razão; os espíritas dizem, muito simplesmente, que se ele se propaga, apesar da crítica, é que se o acha bom e que se prefere seu raciocínio ao dos contraditores.
O Espiritismo, todavia, não é uma descoberta moderna; os fatos e os princípios sobre os quais repousam, perdem-se na noite dos tempos, porque se lhes encontram os traços nas crenças de todos os povos, em todas as religiões, na maioria dos escritos sagrados e profanos; somente os fatos, incompletamente observados, freqüentemente foram interpretados segundo as idéias supersticiosas da ignorância, e não lhes foram deduzidas todas as conseqüências.
Com efeito, o Espiritismo está fundado sobre a existência de Espíritos, mas os Espíritos, não sendo outros que as almas dos homens, desde que há homens há Espíritos; o Espiritismo não os descobriu, nem os inventou. Se as almas ou Espíritos podem se manifestar aos vivos, é porque isso está na Natureza e, desde então, deveram fazê-lo de todos os tempos; também de todos os tempos e por toda parte encontram-se as provas dessas manifestações, que são muitas, sobretudo nos relatos bíblicos.
O que é moderno é a explicação lógica dos fatos, o conhecimento mais completo da natureza dos Espíritos, de seu papel e de seu modo de ação, a revelação de nosso estado futuro, enfim sua constituição de corpo de ciência e de doutrina e suas diversas aplicações. Os Antigos conheciam o princípio, os Modernos conhecem os detalhes. Na antigüidade, o estudo desses fenômenos era o privilégio de certas castas, que não os revelavam senão aos iniciados nos seus mistérios; na idade média, aqueles que deles se ocupavam ostensivamente eram olhados como feiticeiros e queimados; mas hoje não há mistérios para ninguém, não se queima mais ninguém; tudo se passa à luz do dia e todo o mundo está em condições de se esclarecer e de praticar, porque os médiuns se encontram por toda parte.
A própria doutrina que os Espíritos ensinam hoje nada tem de nova; se a encontra, por fragmentos, na maioria dos filósofos da Índia, do Egito e da Grécia, e toda inteira no ensinamento do Cristo. Que vem, pois, fazer o Espiritismo? Ele vem confirmar por novos testemunhos, demonstrar por fatos, verdades desconhecidas ou mal compreendidas, restabelecer, em seu verdadeiro sentido, aquelas que foram mal interpretadas.
O Espiritismo nada ensina de novo, é verdade; mas é nada provar, de maneira patente, irrecusável, a existência da alma, sua sobrevivência ao corpo, sua individualidade depois da morte, sua imortalidade, as penas e as recompensas futuras? Quantas pessoas crêem nessas coisas, mas nela crêem com vago preconceito de incerteza e se dizem eu seu foro íntimo: "Se, todavia, isso não o for!" Quantos foram conduzidos à incredulidade porque se lhes apresentou o futuro sob um aspecto que sua razão não podia admitir! Não é, pois, nada para o crente vacilante poder dizer-se: "Agora estou seguro!", que o cego reveja a luz! Pelos fatos e pela sua lógica, o Espiritismo vem dissipar a ansiedade da dúvida e conduzir à fé aqueles que dela se afastaram; em nos revelando a existência do mundo invisível que nos cerca e no meio do qual vivemos sem disso nos dar conta, faz-nos conhecer pelo exemplo daqueles que viveram, as condições de nossa felicidade ou de nossa infelicidade futuras; explica-nos a causa de nossos sofri mentos neste mundo e o meio de abrandá-los. Sua propagação terá por efeito inevitável a destruição das doutrinas materialistas que não podem resistir à evidência. O homem, convencido da grandeza e da importância de sua existência futura, que é eterna, compara-a à incerteza da vida terrestre, que é tão curta, e se eleva, pelo pensamento, acima das mesquinhas considerações humanas; conhecendo a causa e o objetivo de suas misérias, suporta-as com paciência e resignação, porque sabe que elas são um meio para chegar a um estado melhor. O exemplo daqueles que vêm de além-túmulo descrever suas alegrias e suas dores, provando a realidade da vida futura, ao mesmo tempo, prova que a justiça de Deus não deixa nenhum vício sem punição, nem nenhuma virtude sem recompensa. Acrescentemos, enfim, as comunicações com os seres queridos, que já partiram, que proporcionam uma doce consolação, provando não somente que eles existem, mas que se está menos separado do que se estivessem vivos e num país estrangeiro.
Em resumo, o Espiritismo abranda a amargura dos desgostos da vida; acalma os desesperos e as agitações da alma, dissipa as incertezas ou os terrores do futuro, detém o pensamento de abreviar a vida por suicídio; por isso mesmo, torna felizes aqueles que nele penetram e aí está o grande segredo de sua rápida propagação.
Do ponto de vista religioso, o Espiritismo tem por base as verdades fundamentais de todas as religiões: Deus, a alma, a imortalidade, as penas e as recompensas futuras; mas ele é independente de todo culto particular. Seu objetivo é provar, àqueles que negam ou que duvidam, que a alma existe, que ela sobrevive ao corpo; que ela suporta, depois da morte, as conseqüências do bem e do mal que fez durante a vida corpórea; ora, isto é de todas as religiões.
Como crença nos Espíritos, é igualmente de todas as religiões, do mesmo modo que é de todos os povos, uma vez que, por toda parte que haja homens, há almas ou Espíritos, que as manifestações são de todos os tempos, e que o relato se encontra em todas as religiões sem exceções. Pode-se, pois, ser católico, grego ou romano, protestante, judeu ou muçulmano, e crer nas manifestações dos Espíritos, e, por conseqüência, ser Espírita; a prova é que o Espiritismo tem adeptos em todas as seitas.
Como moral, ele é essencialmente cristão, porque a que ele ensina não é senão o desenvolvimento e a aplicação da do Cristo, a mais pura de todas e cuja superioridade não é contestada por ninguém, prova evidente de que ela está na lei de Deus; ora, a moral é para o uso de todo o mundo.
O Espiritismo, sendo independente de toda forma de culto, não prescreve nenhum deles e não se ocupa de dogmas particulares, não é uma religião especial, porque não tem nem seus sacerdotes e nem seus templos. Àqueles que lhe perguntam se fazem bem seguir tal ou tal prática, ele responde: Se credes vossa consciência induzida a fazê-lo, fazei-o: Deus tem sempre em conta a intenção. Em uma palavra, ele não se impõe a ninguém; não se dirige àqueles que têm a fé, e a quem esta fé basta, mas à numerosa categoria dos incertos e dos incrédulos; ele não os arrebata da Igreja, uma vez que dela estão separados moralmente no todo ou em parte: lhes é necessário fazer três quartas partes do caminho para nela entrarem; cabe a ela fazer o resto.
O Espiritismo combate, é verdade, certas crenças tais como a eternidade das penas, o fogo material do inferno, a personalidade do diabo, etc; mas não é certo que, essas crenças, impostas como absolutas, em todos os tempos fizeram incrédulos e o fazem todos os dias? Se o Espiritismo, dando a esses dogmas e a alguns outros uma interpretação racional, conduz à fé aqueles que dela desertaram, não presta serviço à religião? Também um venerável eclesiástico dizia a esse respeito: "O Espiritismo faz crer em alguma coisa; ora, é melhor crer em alguma coisa que nada crer de tudo."
Os Espíritos, não sendo outros que as almas, não se pode negar os Espíritos sem negar a alma. Admitindo-se as almas, ou os Espíritos, a questão, reduzida à sua mais simples expressão, é esta: As almas daqueles que morreram podem se comunicar com os vivos? O Espiritismo prova a afirmativa por fatos materiais; que prova se pode dar de que isso não seja possível? Se isso for, todas as negações do mundo não impedirão que isso seja, porque não é nem um sistema, nem uma teoria, mas uma lei da Natureza; ora, contra as leis da Natureza, a vontade do homem é impotente; é necessário, por bem ou por mal, aceitar-lhe as conseqüências e a elas conformar suas crenças e seus hábitos.
(1) Ocorre o mesmo para a palavra
O Espiritismo em sua mais simples expressão, Allan Kardec
Nenhum comentário:
Postar um comentário