quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Estudo das religiões: Judaísmo - 4


ÉTICA JUDAICA

Os judeus não fazem distinção nítida entre a parte ética e a parte religiosa de sua doutrina. Tudo pertence à Lei de Deus. Existem 248 ordens afirmativas e 365 proibições, totalizando 613 mandamentos. Além desses mandamentos, a vida do judeu é regulada por muitos costumes e práticas que surgiram ao longo da história. Diz-se que um costume judaico é tão obrigatório quanto uma lei.

O judaísmo dá destaque a uma série de qualidades eticamente boas: generosidade, hospitalidade, boa vontade para ajudar, honestidade e respeito pelos pais. Um princípio fundamental é não fazer mal aos outros, ou, de maneira afirmativa: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Levítico 19,18).

Muitos judeus dão um dízimo (10%) de sua renda para causas dignas, mas as doações podem ser grandes ou pequenas. A Bíblia exige que sejam dados de presente aos pobres os frutos da terra. Desde os tempos antigos era hábito não colher o que desse nos cantos dos campos, para que os pobres pudessem ali entrar e colher para si. Do mesmo modo, parte das azeitonas e das uvas era deixada nas árvores e nos vinhedos para ser apanhada pelos pobres.

A palavra usada na Bíblia para se referir a ajuda aos pobres é justiça. Dar esmolas não é fazer caridade, e sim cumprir o dever de combater a pobreza, baseado nas palavras de Deus: "Jamais haverá nenhum pobre entre vós". A exigência de justiça tem lugar proeminente na ética e inclui, além dos pobres, também os fracos (viúvas e órfãos) e os estrangeiros: "O estrangeiro que habita convosco será para vós como um compatriota, e tu o amarás como a ti mesmo, pois fostes estrangeiros na terra do Egito" (Levítico 19,34).

Como há muitos mandamentos, é natural que em certas circunstâncias eles entrem em conflito. Quando isso acontece, a vida humana está acima de tudo. Por exemplo, uma vida humana deve ser salva mesmo que isso quebre as leis do Shabat.

Fases da vida

Os judeus têm costumes muito antigos relativos ao ciclo da vida: nascimento, juventude, casamento e enterro.

CIRCUNCISÃO

Oito dias após o nascimento os meninos são circuncidados, conforme o mandamento da Torá: "Deveis circuncidar a pele do prepúcio, e este será o sinal da aliança entre nós. Cada varão dentre vós, em cada geração, será circuncidado no oitavo dia". A circuncisão é feita por um especialista- Os padrinhos levam a criança até o "representante", que a segura durante a cerimônia. Esta é acompanhada de orações, e a criança recebe formalmente seu nome. E uma cerimônia religiosa realizada numa atmosfera de alegria e celebração. Costuma ser seguida por uma refeição festiva.

A menina também recebe seu nome formalmente na sinagoga uma semana depois do nascimento. Seu pai é chamado até a Torá, e se faz uma oração pela mãe e pelo bebê.

BAR MITSVÁ E BAT MITSVÁ

Aos treze anos o menino judeu se torna um Bar Mitsvá, expressão em hebraico que significa "filho do mandamento". Isso acontece na sinagoga, no primeiro sábado após seu 13° aniversário. Durante o ano precedente ele deve ter aulas com um rabino ou outra pessoa instruída, para aprender as leis e os costumes judaicos. Deve também aprender o trecho da leitura da Torá que será feita no sábado em questão. Quando chega o dia, ele deve se levantar e ler alto seu texto, cantando-o conforme o costume. Isso confirma que ele passou a ser um membro pleno da congregação, com todas as responsabilidades que daí decorrem. Depois da cerimônia é hábito oferecer uma festa para a família e os amigos.

Bar Mitsvá

Uma menina se torna automaticamente Bat Mitsvá (filha do mandamento) quando completa doze anos. Costuma-se celebrar esse fato no primeiro sábado após seu 12° aniversário. Para isso ela prepara algumas palavras que deve dizer com a bênção (o kidush) depois do serviço. Por volta dos quinze anos as meninas aprendem o principal da história e dos costumes judaicos, particularmente as regras alimentares, que são responsabilidade da mulher.

CASAMENTO

A família desempenha um papel muito especial no judaísmo. É dela que os judeus recebem sua identidade cultural e sua educação básica. O casamento é considerado o modo de vida ideal, instituído por Deus, e é o único tipo de coabitação permitido. Um judeu tem por obrigação casar com uma pessoa judia, porém os casamentos mistos estão se tornando cada vez mais comuns, o que vem causando certos problemas na comunidade judaica.

Alguns dias antes do casamento a mulher deve tomar um banho ritual. No dia do casamento, o noivo e a noiva ficam em jejum até o final da cerimônia. O casamento pode ser celebrado em qualquer lugar, mas normalmente acontece na sinagoga, debaixo de uma espécie de toldo (hupá) que simboliza o céu. Em geral é um rabino que realiza a cerimônia e lê as bênçãos e exortações. Os noivos então compartilham de um mesmo copo de vinho, como sinal de que irão dividir tudo o que a vida lhes trouxer. Em seguida, o noivo põe a aliança no dedo da noiva, dizendo em hebraico: "Eis que tu és consagrada a mim por esta aliança, segundo a Lei de Moisés e de Israel".

Nesse ponto a ketubá é lida e entregue à noiva. A ketubá consiste no contrato de casamento, que é assinado pelo noivo antes da cerimônia e reúne todos os seus deveres para com a noiva.

Até aí a cerimônia não passou da formalização de um compromisso, mas tradicionalmente a formalização do compromisso já está incluída na própria cerimônia. O casamento propriamente dito começa com a leitura de sete bênçãos especiais; depois disso o casal toma vinho mais uma vez. O noivo então quebra um copo com o pé, em memória da destruição do Templo. Após o casamento os noivos são levados a um quarto particular, onde podem quebrar o jejum, e ficar a sós. Nos círculos estritamente ortodoxos, esta será a primeira vez que isso acontece. No fim da cerimônia, costuma-se oferecer uma grande festa e uma refeição comemorativa.

O divórcio é permitido, mas para que seja legítimo, deve ser sancionado por um tribunal rabínico e selado pelo marido, que dá à esposa a carta de divórcio.

ENTERRO

O enterro deve ocorrer o mais rápido possível depois da morte, em consideração às condições do corpo. A cremação não é permitida. 0 corpo do falecido é lavado, vestido com uma roupa branca simples e colocado num caixão de madeira sem ornamentos. Os homens são enterrados com seu xale de oração.

Não se usam flores nem música na cerimônia, que é realizada pelo cantor sacro. Ele joga três pás de terra sobre o caixão enquanto recita: "O Senhor dá e o Senhor tira — bendito seja o nome do Senhor". 0 rabino faz um discurso em memória do morto, e os filhos homens, ou o parente mais próximo do sexo masculino, recitam uma oração — o Kadish. Após o funeral, a família fica de luto por uma semana. No aniversário da morte, todos os anos, os parentes mais próximos acendem uma vela na sepultura e lêem o Kadish.

Os judeus têm muito apreço por seus cemitérios e os tratam com grande respeito. É aí que os mortos irão descansar até a ressurreição.



Festivais anuais

As festas judaicas são associadas ao calendário judaico e em geral têm uma base histórica. Os judeus contam o tempo em relação à criação do mundo, a qual, segundo nosso calendário, ocorreu em 3761 a.C. 0 calendário se apóia no ano lunar e tem doze meses de 29 ou trinta dias, com 354 dias ao todo. Acrescenta-se um mês extra sete vezes durante cada ciclo de dezenove anos, para alinhar o ano lunar pelo ano solar; com esse arranjo, as datas festivas mudam de ano em ano, do mesmo modo que a Páscoa cristã. Três delas são festas de peregrinação, com raízes no antigo Israel. Eram ocasiões em que todos os homens deviam fazer uma peregrinação ao Templo de Jerusalém, levando seus sacrifícios. Algumas outras festas se fundamentam em acontecimentos históricos.

O Ano-Novo (Rosh ha-Shaná, em hebraico) é celebrado em setembro ou outubro. No mês anterior, todos os judeus procuram cuidar especialmente bem de suas obrigações religiosas e praticar atos de caridade. E uma data em que cada um deve se concentrar na auto-análise e no arrependimento, refletindo sobre suas ações e tentando melhorá-las. Mas os festejos do Ano-Novo também comemoram Deus como criador e rei. 0 serviço religioso do Ano-Novo contém orações em que predomina o arrependimento. Uma parte do ritual consiste em tocar um chifre de carneiro. Este simboliza o carneiro que Abraão sacrificou no lugar de Isaac e lembra, portanto, a compaixão divina. Uma grande refeição festiva é preparada nas casas, com diversos pratos simbólicos. É hábito comer maçãs mergulhadas no mel, enquanto os convivas fazem votos de que todos tenham "um ano bom, um ano doce".

O Dia do Perdão, ou Iom Kipur (dia da expiação), termina o período de dez dias de arrependimento iniciado no Ano-Novo. Tradicionalmente, no antigo Israel, o Dia da Expiação era o único dia do ano em que o sumo sacerdote entrava no Santo dos Santos, o recinto mais sagrado do Templo. Isso se dava após o sacrifício de um carneiro, como sinal de expiação pelos pecados do povo. Hoje em dia os pecados são confessados na sinagoga e o indivíduo pede perdão a Deus depois de ter se reconciliado com seus semelhantes. O serviço é finalizado com o toque do chifre de carneiro e com os votos: "No ano que vem em Jerusalém". Essa é a comemoração mais importante e mais pessoal para os judeus.

A Festa dos Tabenáculos, ou Sukot (festa das tendas), acontece poucos dias depois do Dia do Perdão. Nela se constroem cabanas de folhas, no jardim da casa ou próximo à sinagoga. Isso é feito em memória das tendas onde os judeus moraram durante sua peregrinação no deserto e do cuidado que Deus dedicou a eles. Mas essa festa é também uma alegre ação de graças pela colheita. No último dia se conclui o ciclo anual da leitura da Torá, e um novo ciclo se inicia, recomeçando a leitura a partir do Gênesis. Os rolos da Torá são tirados de sua arca e levados numa procissão cerimonial.

A Festa da Inauguração (Chanuká) é comemorada em novembro ou dezembro durante um período de oito dias. A cada dia se acende uma vela, num candelabro de oito ramificações típico de Chanuká. Essa festa comemora uma grande vitória dos judeus ocorrida em 165 a. C, quando inauguraram novamente o Templo de Jerusalém, depois que os invasores sírios o haviam profanado e proibido o culto judaico. Essa festa vem adquirindo características semelhantes às do Natal cristão, com troca de presentes e muita atenção às crianças.

A Páscoa em hebraico é chamada Pessach, que significa "passar por cima". É uma referência ao relato da Torá sobre o anjo do Senhor que, ao levar a décima praga ao Egito, "passou por cima" das casas dos israelitas e, desse modo, só os primogênitos egípcios morreram. O Pessach é celebrado em março ou abril e comemora o êxodo dos judeus da escravidão do Egito. Antes do início do Pessach, os judeus devem fazer uma limpeza ritual na casa. Devem usar ainda um serviço especial de pratos para a comida e não podem comer nem beber nada que contenha grãos ou farinha fermentada. A Páscoa também é denominada "festa do pão ázimo", pois celebra a ocasião em que os judeus saíram do Egito às pressas, sem tempo de esperar o pão fermentar e crescer. Assim, durante os oito dias da Páscoa se come apenas matsá, que é pão ázimo, ou sem fermento.

Quando a família senta para fazer a refeição de Pessach, uma criança pergunta: "Por que esta noite é diferente de todas as noites?". E o pai então explica como os judeus saíram do Egito e se tornaram um povo.

Sinagoga
 A refeição da Páscoa é chamada seder, palavra hebraica que quer dizer "ordem", pois segue um ritual fixo, com pratos tradicionais de significado simbólico. Devem-se mergulhar ramos de salsa numa tigela com água salgada, simbolizando as lágrimas dos judeus no Egito. As ervas amargas lembram a infelicidade da escravidão sob o domínio do faraó. Uma mistura de maçã ralada, nozes, vinho e mel representa o cimento que os judeus utilizavam para fazer tijolos. Um osso de carneiro assado simboliza o sacrifício pascal. Ovos cozidos recordam os sacrifícios feitos no Templo. Bebe-se também vinho, o símbolo da alegria.

A Festa das Semanas (Shavuot), ou o Pentecostes judaico, cai cm maio ou junho e comemora a ocasião em que a Torá foi dada ao povo no monte Sinai. Na sinagoga são lidos os dez mandamentos e o Livro de Rute. A história do livro de Rute se passa durante a colheita de trigo, e no antigo Israel os peregrinos chegavam ao Templo com cestas carregadas das primeiras espigas de trigo. Hoje, as decorações com flores e ramos lembram a área em torno do Sinai. A refeição é composta sobretudo de frutas, peixe e alimentos leves feitos de leite: bolos de queijo, panquecas etc. Isso porque quando os judeus receberam a Torá no Sinai, com a proibição de comer carne e leite na mesma refeição, decidiram se afastar da carne.


Fonte: O livro das religiões, Jostein Gaarder, Victor Hellern, Henry Notaker; tradução Isa Mara Lando; revisão técnica e apêndice Antônio Flavio Pierucci. — São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

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